Ensino de gramática: o lúdico nem sempre convém


O telefone tocou dia desses: "Professora, vou dar uma aula sobre os possessivos e queria saber se a senhora conhece alguma atividade lúdica para eu começar esse assunto". Silenciei alguns segundos. Certamente, ela queria que eu tirasse da minha cartola mágica alguma brincadeirazinha que pudesse fazer de um assunto gramatical algo divertido. Comecei a questioná-la então. Por que se pensa em primeiro lugar no lúdico antes de pensar na melhor maneira que se teria para explicar um determinado conteúdo fazendo que o aluno descubra a regra, por ele mesmo, através de questionamentos reflexivos instigados pelo professor? Fazer da aula dinâmica não é promover atividades lúdicas somente. 

Nem sempre um conteúdo, ainda mais o gramatical, exigirá esse tipo de motivação. Certamente, o estudo do léxico permite mais espaço para o lúdico. Ora, o simples fato de incitar o aluno à discussão e à observação, desperta nele uma espécie de inquietação capaz de movê-lo a um ato reflexivo. O extraordinário numa aula, acredito eu, se dá quando o aluno sente que faz parte do processo de construção do conhecimento. O professor precisa cutucá-lo e instigá-lo a uma observação-reflexão. 


Começar um conteúdo dando as informações prontas para serem 'engolidas', de nada contribui para a aquisição de uma informação nova. Por isso, pensa-se em recursos, como dinâmicas, jogos ou o uso de material tecnológico. Mas de nada valem esses recursos se o professor coloca o aluno em situação passiva. O saber-fazer que o professor desenvolve numa perspectiva discursiva, dialógica, reflexiva e crítica promove um aprendizado um tanto mais responsável, consciente e coerente. Esse saber-agir não exige mágica, exige simplicidade e competência. 


O que o aluno precisa é ser questionado e conduzido a uma reflexão capaz de fazê-lo perceber dada regra ou determinadas formas linguísticas específicas da língua estrangeira. Perguntar, fazê-lo observar, questioná-lo e conduzi-lo à descoberta do conteúdo constituem-se na mágica da reflexão. No caso dos possessivos em espanhol, por exemplo, como me foi perguntado, o professor pode expor no quadro frases ou usar trechos retirados de qualquer gênero textual, capazes de serem confrontadas para que, a partir delas, perguntas fossem elaboradas e que conduzissem o aprendiz a um processo reflexivo: Qual a função que o termo sublinhado teve dentro da frase, ou seja, o que ele indica ao ouvinte/ leitor? A que pessoa se refere dentro deste contexto? Que termo substitui? Por que nessa frase observou-se uma supressão de parte do possessivo? Pelas frases expostas, quando se empregará a forma normal e a forma reduzida (apocopada)? Pronto, fim da mágica. Todos são conduzidos a observar, a comparar, a questionar e a refletir. O lúdico se materializou na fala e no pensar dos alunos que saem de uma condição de parasitas para a de seres pensantes e atuantes. "Então, deu para captar um pouco?". Fim da ligação.

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