Quando a literatura revela...
(Moça com o livro- Almeida Jr.)
Quando li a primeira vez este trecho de Tenorio e
Reysábal sobre que a literatura “(…) es divertimiento y rebeldía, de manera
que nos ayuda a ser radicalmente humanos, nos llena de argumentos contra el
desaliento, nos enseña a vencer fracasos, a curar heridas, nos demuestra que no
estamos solos, que siempre hay una grieta por la que intentar la superación […].”[1] sabia
do poder que elas tinham por mim mesma, pela minha experiência como leitora.
Mas ontem, durante um sarau que produzi com meus alunos de literatura
hispano-americana II, este trecho se materializou de tal forma que as palavras
de Llosa começaram a gritar dentro de mim “Ela (a literatura) é alimento de
espíritos indóceis e propagadora da inconformidade, um refúgio para aquele a
quem falta algo na vida, para não ser infeliz, para não se sentir incompleto
sem se realizar em suas aspirações”[2]. Mais
ainda, a literatura me permitiu conhecer mais sobre o sentir dos meus alunos,
conhecer o que pensam sobre si mesmos e sobre o mundo, saber de suas expectativas,
de seus anseios, de seus sonhos. A literatura, por meio do sarau, permitiu que
aproximássemos nossas desesperanças e desenganos, nossas pequenas insatisfações
diante da vida, mas também aproximou nossos sonhos...
À
luz de velas e ao som de música clássica, cada um se posicionou no centro da
mesa e compartilhou os fragmentos literários que mais lhe tocou durante a
disciplina ministrada este semestre. Os vi, pela primeira vez, desnudos,
desprovidos de escudos e do medo de serem desvendados. Cada um foi o que verdadeiramente
é. Limpos e sãos. (Meu Deus, os amei com tanta verdade naquela hora...
possivelmente porque naquele momento eles revelaram - por meio da literatura - do
que compõe sua essência e sua matéria). Uns escolheram poemas ou trechos em
prosa que configuravam o romantismo com sua subjetividade, idealização e evasão
da realidade cruel. Outros escolheram justo o desengano, o amor que é esmagado
pelas mãos do outro a quem se devota o querer mais sincero “pues ya en líquido
humor viste y tocaste mi corazón deshecho entre tus manos”[3]. Outra
proferiu louvar à terra latino-americana por meio dos trechos de Landívar em
seu Rusticatio Mexicana. Era a valorização da cultura desses povos, da sua
terra e da sua substância primeira que ela queria que anunciar. Outra
manifestou o inconformismo diante do poder que alguns acreditavam ter recebido
de Deus para punir e julgar, ao mesmo tempo em que se questionava: “¿por qué
contra vos mismo, severamente inhumano, entre lo amargo y lo dulce, queréis
elegir lo amargo?”[4].
Ao passo que iam lendo, seus olhos luziam a incandescência das velas e expeliam
uma energia que foi nos unindo num desejo de viver na simplicidade do amor. O único
rapaz da turma saiu de seu casulo de timidez e leu o trecho de Amor Secreto de
Manuel Mayno porque, por algum momento, ele desejou viver a sensação de um amor
que pode ser terno e profundo apesar dos espinhos da realidade...”Profe, lo
real nos vuele duros y nos detiene para lo que verdaderamente debería ser esencial”.
Aquele menino calado, de olhar desconcertante apontava para a superficialidade
que engolia homens e mulheres, mas que, mesmo assim, queria continuar lendo
aquele conto que lhe havia mostrado que, apesar da amargura do cotidiano,
queria seguir acreditando que poderia experimentar aquele tipo de sentimento. Ao
ouvi-lo, todas nos calamos, todas confessamos à sombra de nós mesmas as
navalhas que foram apontadas para nós e juntos levantamos um escudo de aço
contra tudo que passava fora da sala de aula naquela hora... éramos nós e os
textos literários, éramos nós e os nossos caminhos e descaminhos, éramos coração,
éramos matéria lutando para não sermos matéria bruta...
Deus do Céu, quanta beleza, quanta emoção! Estou aqui petrificada com o texto e com os instrumentos literários que o provocaram. Parabéns a vocês, parabéns professora querida!
ResponderExcluirPessoa mais linda que amo essa prof!!Que texto lindo, Regiane, esse seu!!!Impregnou-se de tudo o que foi dito mesmo, heim?
ResponderExcluirSim, ali, sentados, atentos, nos tornamos desprovidos de nós mesmos. E estando assim, um pouco de nós em cada palavra dita, em cada poesia lançada, em cada um que declamava o seu espanto frente à literatura, éramos todos e ...felizes. Estávamos felizes bem embaixo dos nossos narizes. E de portas fechadas e velas acesas comungamos as nossas etéreas liberdades...Bjo a todos esses meninos que amo demais!!!!
Metadescrição. Poético.
ResponderExcluirPerfecto Profe!!!!
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