SOBRE O ENEM 2014

Discutir o resultado da redação do ENEM significa desestruturar o sistema de ensino neste país. Este é apenas um pontinho preto no meio de folha A3 em branco. Vamos às aulas de redação. Primeiro, o professor tem 2 aulas semanais com turmas de 35 a 50 alunos. Tem uma carga-horária sobre-humana para no final do mês ter condição de dignidade. Além da leitura e do aluno estar atendo à realidade que o cerca, a produção escrita exige orientação face a face, discussão sobre o processo. Quando o professor pode fazer uma orientação individual numa sala superlotada e com uma carga horária dessas? Durante a aula, ele expõe o conteúdo para uma determinada produção escrita, ainda pode promover debate para ampliar o leque de informações antes da produção. Mas, e o depois? O professor corrige o texto, marca os “erros” e entrega de volta a produção sem o feedback.
A discussão em torno da prova do ENEM mapeia a falta de leitura e de bagagem de informação dos candidatos, mas também quero apontar para a falta de organização na construção das ideias. Digo pela experiência como professora de produção escrita (tenho ojeriza ao termo redação, remete a castigo, a uma praga). A ideia está lá, mas na hora de organizar.... ai, ai, ai, é um Deus nos acuda! Em Fortaleza, cheguei a organizar um calendário de atendimento individual no meu horário livre na escola para orientar aqueles que eu percebia que sofriam com a coerência e com a coesão.A questão não é só a redação, é o conjunto. Os PCNs estão aí, mas o sistema não contribui em nada para que estes parâmetros sejam efetivados. Não seria utópico se as escolas privadas não fossem mercenárias e se as públicas não fossem displicentes. Está tudo errado no sistema. Falta compreender que a produção escrita não representa um produto, mas um processo. Falta o estudante ser conscientizado de que a produção escrita faz parte da sua conjetura como cidadão, que faz parte de sua prática diária, de liberdade e de sobrevivência. A produção escrita não é valorizada como uma necessidade humana, mas como um objeto de avaliação simplesmente. Não é à toa que existe quase uma unanimidade em dizer: “Eu odeio redação! Não sei escrever!”. Aqui afirmo com clareza: nós professores precisamos mudar isso.A minha crítica se estende também à exigência do tipo textual da prova de redação do ENEM. Nas últimas décadas tem-se discutido a importância do gênero textual e da sua funcionalidade dentro do contexto sócio-histórico. Daí pergunto, por que raios se exige um texto dissertativo-argumentativo quando este é apenas a tipologia que pode ser materializada em tantos gêneros que circulam na sociedade? É o mesmo que dizer, faça uma narração sobre... Patético! Toda a prova propõe uma reflexão interdisciplinar, mas a exigência da tipologia distante do gênero parece-me um tanto primata ainda.

Força na peruca amigos, professores, a porrada vem pra nós, apesar de saber que somos partícipes deste construto.

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